sexta-feira, 29 de agosto de 2014

MATÉRIA ESPECIAL


Não sou carga... mas fui de cargueiro!

VOANDO DE MD-11 FREIGHTER 

                                                                           por Solange Galante - texto e todas as fotos

Você já parou para pensar como são transportados os produtos que você consome, sejam alimentos, roupas, eletrodomésticos, eletrônicos, veículos? Muitos deles, inclusive peças para montagem de produtos da indústria brasileira, vem de muito longe. O urgente e o valioso, especialmente para cobrir grandes distâncias, segue de avião. E esse será nosso ambiente nessa viagem.

Diariamente e a toda hora rodovias, ferrovias, portos e aeroportos em todo o mundo levam e trazem não só passageiros, mas também carga, muita carga, desde parafusos até automóveis, desde arroz e feijão até geladeiras, desde celulares até TVs de 50 polegadas. Mas também são transportadas frágeis rosas colombianas, bulbos de tulipas holandesas e indispensáveis medicamentos e vacinas. E não são só produtos vistos diariamente em prateleiras, mercados, lojas e escritórios. Também vão de lá pra cá e daqui pra lá cavalos puros-sangues para competições olímpicas, pintinhos com um dia de vida que serão criados até o abate bem longe de onde nasceram, felinos selvagens da lista de espécies ameaçadas de extinção, helicópteros inteiros, peças extremamente gigantescas para as usinas de petróleo e construção civil... ou, então, todo o circo da Fórmula 1, com seus motorhomes e bólidos que aceleram em poucos segundos para 300 km/h.
Mais do que o custo do transporte para chegar ao destino, o tempo e a segurança para o fim da jornada é essencial para se definir se qualquer item desses relacionados acima, e muitos outros mais, irá rodando, deslizando pelas estradas de ferro, navegando pelos oceanos... ou voando.
Por isso, além de aproximar pessoas, a aviação revolucionou o comércio doméstico e internacional. O que antes rodava em carros de bois ou veleiros hoje pode ir pelo ar, na velocidade do jato, e proporcionar sentirmos no Brasil o sabor adocicado de berries norte-americanas e o perfume delicado de flores que foram produzidas no norte da Europa. Enquanto isso, o mundo longe da América pode saborear melões e mangas plantados no sertão nordestino e admirar peixes ornamentais cuidadosamente pescados e embalados com todo cuidado nos rios da Amazônia.

Missão logística

NO SENTIDO DOS PONTEIROS DO RELÓGIO

A Lufthansa Cargo é uma unidade autônoma dentro do Grupo alemão Lufthansa desde novembro de 1994 e rapidamente se tornou um dos maiores representantes do mercado aéreo de cargas do mundo, utilizando frota própria e também o porão das aeronaves de passageiros das empresas do Grupo. Seu foco é o chamado serviço “aeroporto a aeroporto”, ou seja, sua missão acaba ao chegar ao aeroporto de destino, o que não acontece com empresas de encomendas expressas, por exemplo, que complementam o serviço indo direto ao cliente final utilizando veículos terrestres.
No Brasil, um dos serviços com aeronaves full cargo da Lufthansa é realizado seguindo um traçado horário: duas vezes por semana, dois trijatos MD-11F (Freighter) partem da cidade alemã de Frankfurt am Main (FRA) repletos principalmente de peças para eletrônicos e medicamentos. Esses são dois exemplos de produtos, chamados de “alto valor agregado e/ou perecíveis” que são a carga preferencial do transporte aéreo, que cobra pelo serviço o valor adequado à velocidade necessária. Às vezes você mesmo nem percebe o quão rápido chegou aquele produto importado que você comprou pela internet. Imagine, então, uma indústria, que depende de delicadíssimos chips para instalar no mais novo modelo de smartphone montado na Zona Franca de Manaus.
Um dos 18 gigantes cargueiros da Lufthansa – que já vem recebendo novos irmãos, com capacidade ainda maior, os Boeing 777F – vem duas vezes por semana para Viracopos (VCP), desembarca carga europeia e embarca carga para outros destinos na América do Sul – Quito (Equador) e Aguadilla (Porto Rico) –, além de ter a bordo carga europeia a ser desembarcada em Campinas e em Manaus. Pelos acordos de liberdade de transporte aéreo assinados entre Brasil e Alemanha, não é permitido à Lufthansa transportar cargas dentro do Brasil – ou seja, embarque aqui, desembarque também aqui, a chamada cabotagem. Pelo mesmo motivo, na ocasião de nossa viagem, encontrava-se suspensa a escala feita antes em Bogotá, devido a questões de direito de tráfego entre Colômbia e Brasil.
Ao decolar, depois, de Manaus, o MD-11F estará quase vazio e muito da carga que deixou na capital amazonense – principalmente para abastecer as indústrias da cidade do Pólo Industrial – agora dará espaço a um produto perecível muito admirado na Europa e que será embarcado na capital do Equador: flores, muitas flores frescas.

Todo tipo de carga pode voar.

MEUS PRIMEIROS CONTATOS COM A AVE

Ao concordar em me transportar em um de seus MD-11F para acompanhar a operação cargueira entre Viracopos e Manaus, a Lufthansa designou seu então diretor de Comunicação Corporativa para a América Latina, Joerg Waber, para me acompanhar. Berlinense, mas já vivendo e tendo constituído família no Brasil há anos, Joerg estava me acompanhando profissionalmente mas confessou estar sentindo tanta ansiedade quanto eu – também seria seu primeiro voo em um cargueiro. Portanto, se eu aprenderia muito naquela viagem, ele também. Com isso, tornamo-nos passageiros e visitantes diante de quatro anfitriões que entendiam tudo de carga e de MD-11F, como verão a seguir.
Meses depois dessa viagem, Joerg deixou essa função para ir trabalhar na Alemanha, em outra unidade do Grupo Lufthansa. Portanto, esse foi o último trabalho em que ele me prestou assessoria, e deixará saudades!
Por várias razões voos cargueiros, especialmente os internacionais, são mais frequentes à noite e durante a madrugada. As temperaturas mais amenas favorecem a performance das aeronaves de grande porte, especialmente quando lotadas. Havendo menos voos domésticos com passageiros à noite, especialmente devido ao fechamento de alguns aeroportos centrais, como Congonhas, o que limita a malha das companhias, e após a partida de voos de longas distâncias com passageiros, geralmente até a meia noite, sobram mais slots – horários em que são permitidas as decolagens, dentro de determinada hora –, justamente em horários de madrugada. Como ocorre no Internacional de São Paulo/Guarulhos e em Viracopos. Então, sob o luar, as cargueiras praticamente tomam conta dos aeroportos.
No caso do voo LH 8250, rumo a Frankfurt (FRA) com primeira escala em Manaus (MAO), o horário de decolagem não chega a ser noturno, mas ele já havia chegado cerca de uma hora e meia antes e o trabalho de descarregamento e carregamento procura ser ágil como sempre, pois a velocidade é o que agrega valor ao produto “serviço de carga aérea”. O horário previsto para decolar de Campinas rumo a Manaus era 07:50 h. A tolerância, dentro do slot designado para aquele voo, permitia que ele decolasse com 15 minutos de antecedência ou de atraso.
Nem toda carga é tratada igual: são infinitas as modalidades de tratamento e prioridade para perecíveis, animais vivos, valores, grandes volumes, documentos urgentes. Os funcionários da companhia todo dia resolvem equações complicadíssimas para atender às necessidades dos clientes – de cada um deles em particular – da melhor maneira possível, contando para isso com disponibilidade maior ou menor de espaço em aviões totalmente cargueiros ou nos porões dos aviões também para passageiros. Por isso, às vezes os porões das aeronaves que também transportam pessoas, que, no caso da Lufthansa, voam diariamente para dois destinos na Alemanha – Munique e Frankfurt – podem ser a melhor opção, em alguns casos. Sem contar que a carga, depois de definida quando será embarcada, deverá também ser o melhor possível acondicionada, seja em conteiners, em pallets ou de maneira especial. Carga não fala, não se queixa, mas um monte de gente fala e se preocupa por ela – e reclama muito, se necessário – de modo que é fundamental a coordenação para que tudo o que precisar ser transportado seja encaixado da melhor maneira possível na aeronave. Onde, como e até qual temperatura a cabine terá em voo, tudo isso garante o conforto daqueles “passageiros” tão especiais.
Joerg e eu seguimos juntos de táxi até Viracopos para sermos recepcionados pelos funcionários da Lufthansa Cargo naquela estação – como o aeroporto é chamado, nesse caso. Quem também chegou para assumir o nosso voo foram os dois pilotos alemães, a quem seríamos apresentados depois. Voos cargueiros não têm comissários. Os aviadores seriam dois daqueles nossos quatro anfitriões que citei acima, os outros dois apresentarei a vocês em breve.
A manhã do sábado, 13 de abril, estava muito chuvosa em Campinas e necessitamos de guarda-chuvas para ir do carro da handling Swissport, já ao pé da aeronave, para seu interior, subindo pela escada. Mal consegui fazer as primeiras fotos do D-ALCM, onde voaríamos. Mas, agora que eu já havia identificado a “ave” posso falar um pouco sobre ela: trata-se do penúltimo exemplar dos trijatos projetados pela McDonnell Douglas, e construído já pela Boeing, sob número de construção 48805 e entregue novinho para a Lufthansa Cargo em 22 de fevereiro de 2001.
No alto da escada, percebi que estavam secando o piso emborrachado naquela “antesala”, junto à galley, entre o porão superior (main deck) e o cockpit. Provavelmente pela aeronave, que não transporta passageiros, não ter carpete, era necessário, explicaram-me, secá-la para evitar o risco de infiltrações no porão eletrônico, que fica bem abaixo. Cuidado, aliás, que poucos operadores de MD-11 certamente dispensam àquele tipo de avião e é óbvio que a Lufthansa o faça, empresa que tem baixíssimo histórico de acidentes e incidentes, seja com passageiros ou cargas a bordo. Quem conhece aviação sabe como detalhes minúsculos nunca são exagero.
Para o embarque e o desembarque da carga, a empresa de handling Swissport normalmente usa 12 pessoas (o número varia com o porte da aeronave). Não havia mais portas de carga abertas, tudo o que tinha para ser embarcado e desembarcado já estava devidamente acomodado e amarrado.
Geralmente é a própria companhia aérea quem paletiza a carga – isto é, acomoda a carga nos pallets, quando ela não está naqueles caixotes de alumínio, os contêineres, mas a Lufthansa Cargo também oferece treinamento para clientes que desejem paletizar a própria carga. As equipes de paletização montam o pallet para utilizar o máximo do espaço do avião, lembrando, por exemplo, que próximo à cauda o compartimento interno da aeronave é mais baixo e estreito, devido à curvatura natural da fuselagem. 

A loadsheet de nosso voo até Manaus.

É hora de falar de nossos dois outros anfitriões, que também voariam conosco até Manaus. Adriano de Souza Campos era o loadmaster designado para aquele voo. Sem explicações detalhadas, técnicas e chatas, podemos resumir assim: ele é o maestro daquele voo cargueiro. Cada funcionário, seja da Lufthansa quanto da Swissport, executa seu próprio instrumento, mas o loadmaster é o responsável e quem vai acompanhar tudo o que está sendo feito para que haja harmonia na operação. Adriano me apresenta o principal produto de seu trabalho e planejamento, a loadsheet, finalizada há pouco mais de 15 minutinhos. O loadsheet é o documento que contém todos os pesos do avião, contando tudo o que está a bordo, e o centro de gravidade do mesmo. Partiríamos bem leves, apenas com 27.838 kg – o MD-11F pode transportar até 95 ton de carga, quantidade esta limitada aos parâmetros do aeroporto, condições climáticas etc. “Aqui em Viracopos dificilmente ele sairá com 87 toneladas” informou Adriano, certamente se baseando principalmente pelo comprimento da pista (3.240 m) e altitude do aeródromo (mínimo de 2.139 pés). Das 27 ton, seriam desembarcadas em Manaus 17.219 kg e 10.619 kg em Quito. Nada seria desembarcado em Aguadilla. O peso do avião, sem a carga e sem combustível era de 115.180 kg. Mas ele foi abastecido com 35 ton de querosene de aviação e, tudo incluído, seu peso de decolagem para aquela etapa seria de 178 toneladas e mais 18 quilos. Gastando, como previsto, 20.624 kg de combustível até chegar a Manaus, lá pousaríamos com 157.394 kg, 65.546 kg a menos do que poderia ter de peso máximo de pouso para aquelas condições. Uma cópia da loadsheet fica na estação (no caso, Viracopos) e outra, a bordo do avião. Em Quito, o D-ALCM receberia carga relativamente leve mas suficiente para lotar seu compartimento principal: muitas flores equatorianas, rumando para a Europa.

Aquele voo estava leve.

“O voo hoje para Manaus não está tão cheio. Esse voo aqui melhora um pouco na terça-feira. Na terça-feira da semana passada carregamos 52 ton só para Manaus” observou Adriano. “Ele vem com bastante carga da Alemanha para cá. Normalmente são perecíveis, eletrônicos, e muitas motos – agora estamos transportando bastante da Triumph. Neste voo os perecíveis são especificamente vacinas. As flores que nós embarcamos em Quito é o que dá muito dinheiro, dedicamos este avião mais para Quito.”
A capital do Equador inaugurou no início do ano passado seu novo aeroporto, que possui uma pista mil metros maior que a do aeroporto anterior, totalizando 4.100 m. Necessidade pura, pois o aeroporto de Quito continua sendo um dos mais altos do mundo, localizado a 2.400 metros de altitude. Mas o MD-11F opera com folga lá. “O que embarcávamos em Bogotá agora embarcamos em Quito e Aguadilla, em Porto Rico” informa Adriano. “Normalmente completamos o avião – o espaço que sobra após o embarque das flores – em Aguadilla, com farmacêuticos. É uma rota tão lucrativa que muitas companhias aéreas fazem isso. Tem muita indústria farmacêutica lá em Porto Rico. Dos voos da Lufthansa Cargo que ‘giram’ em Viracopos e voltam para a Alemanha, mais ou menos 30 ton são carga farmacêutica.”
Nesse instante, já estávamos dentro do main deck – duas passagens laterais unem esse compartimento superior para cargas à tal antesala por onde embarcamos, antes da cabine de comando. As passagens e a divisão são protegidas pela crash net, uma espécie de rede bem resistente. “Ela tem a capacidade de segurar toda a carga do main deck se porventura acontecer alguma coisa e ela se soltar.” Isso significa segurar 70.760 kg, o que o MD-11 pode transportar de carga só no main deck

A crash net aguenta toda a carga se ela se soltar para não ir para a frente do avião.

Mas, naquele voo, não havia muita carga restante do desembarque de FRA e embarcada em VCP para seguir conosco ali. Lembrando que havia mais carga no porão, isto é, abaixo do main deck. Valores, autopeças e vacinas estavam entre os itens transportados. Por valores considere também metais preciosos como ouro para a indústria de informática amazonense, ou jóias, acomodadas no porão traseiro e inferior, e que só podem ser transportadas ali, que é para ninguém ter acesso durante o voo, sempre em contêiner fechado e lacrado, no porão de baixo.
Adriano estava seguindo com o avião para cuidar do carregamento e descarregamento em Manaus “Eu ficarei até 3ª feira em Manaus, no próximo voo, VCP-MAO de terça, não terá loadmaster a bordo, porque eu já estarei lá em Manaus e já terei preparado o carregamento dele. Terça, depois que o avião for embora para Quito, eu volto para Campinas, para subir de novo no sábado, ou seja, o loadmaster só sobe de sábado.”
Adriano fez o balanceamento da aeronave – como distribuir carga e combustível de acordo com a disponibilidade e centro de gravidade do jato. “No escritório da empresa, em Viracopos, são feitos os balanceamentos até Manaus. Chegando o avião lá, eu pego os dados do combustível com a tripulação de acordo com o que eles decidirem de abastecimento para as etapas seguintes, vou para o escritório e preparo novo loadsheet.”
Ele explica que em Quito, às vezes, há um problema de balanceamento porque todos os pallets com as flores são leves e do mesmo peso, “e para você ter um bom balanceamento nesse avião tem que ter mais peso de carga na traseira. Procuramos sempre deixá-lo com centro de gravidade, mais peso, por incrível que pareça, na traseira, apesar dele já ter a cauda pesada. Isso reduz o arrasto e economiza mais combustível, no MD-11.
Pesada ou leve, a carga é movimentada facilmente dentro do avião graças aos PDU (power drive units) que vão rolando no piso do deque para movimentar as cargas paletizadas dentro da aeronave.

Adriano mostra como controlar os PDUs.

 O D-ALCD chega de Frankfurt e irá para Buenos Aires.


Enquanto Joerg e eu explorávamos a área livre do deque principal, aterrissou um irmão do D-ALCM. O D-ALCD estava chegando de FRA (via Dacar), estacionou próximo à nossa asa esquerda, e seguiria depois para o Uruguai e a Argentina. Sua rota de retorno era exatamente Viracopos-Montevidéu-Buenos Aires-Dacar-Frankfurt, duas vezes por semana, também às terças e sábados.
Além de Adriano, quem também seguiria conosco para a capital amazonense seria o Antônio da Fonseca, português de Coimbra, que cresceu na Alemanha e está há três anos no Brasil. Ele é mecânico de aeronaves. Mas ele não ficaria até terça, como Adriano, retornando no dia seguinte para Campinas, em avião de passageiros de outra companhia. Qual é o motivo pelo qual tem que ser transportado um mecânico? Por não ter mecânico da companhia na estação Manaus, então ele seguiria a bordo para caso houvesse necessidade dele ser acionado.
Joerg e eu recebemos nossas passagens impressas. Sim, o voo era cargueiro mas nós dois, que não éramos tripulantes, como Adriano e Antônio, recebemos nossos tíquetes. Aliás, na véspera de nossa viagem já havíamos sido informados sobre a passagem e outros detalhes: Emerson Postal, agente de operações da Lufthansa Cargo, havia nos mandado e-mail – para mim, copiando o Joerg – com o número do meu e-ticket e localizador e detalhes da viagem: “Até o presente momento o voo LH 8250 encontra-se conforme programado, com chegada em SBKP no dia 13 de Abril de 2013 as 05:20LT (local time), saída programada às 07:50LT do dia 13 de Abril de 2013.”
E, mais: “Lembro-lhes que o voo está programado para chegar em SBEG as 10:35 LT do dia 13 de Abril de 2013.”
Lembrando ainda que o fuso horário de Manaus nessa época era uma hora a menos que em Brasília. 

Voar em cargueiro também dá direito a passagem aérea.

Uma "senhora" aeronave! 

Não são raras as vezes em que cargueiros transportam passageiros, sempre muito bem selecionados, sejam funcionários da companhia, representantes do(s) cliente(s) ou curiosos como Joerg e eu. Por isso, havia na antesala duas confortáveis poltronas, tamanho classe executiva, voltadas para a traseira do avião, além de duas outras, específicas para o descanso da tripulação nos trechos mais longas do voo, estas voltadas para a frente mesmo – todas com espaço enorme para esticar as pernas, diga-se de passagem, para fazer inveja aos passageiros mais exigentes. Banheiro e equipamento de galley complementavam aquela área, tornando-a bem confortável para qualquer distância de viagem. Mas eu estava interessada mesmo em uma poltrona muito menos confortável, apertadinha mesmo, no “escritório”: o jumpseat. Facilitaria, e muito, meu trabalho de reportagem, para acompanhar detalhes técnicos do voo em si.

Não, passageiro não viaja com a carga, no cargueiro.


O nome correto do tal lugarzinho privilegiado para todos que gostam nem que for um tiquinho de aviação é “observation seat”, ou seja, assento de observação, ou do observador – que, geralmente, é o instrutor que avalia os pilotos em seus cheques e recheques, quando é o caso. Permite acompanhar a parte mais fascinante de qualquer viagem aérea, o trabalho daqueles profissionais que conseguem tirar do chão, e retornar com toda a segurança para o mesmo, após horas de voo, dezenas de toneladas de metal, plástico, fibras compostas e muito combustível. A maneira detalhada, precisa e muito bem organizada pela qual é constituído um avião encontra nos pilotos seu cérebro mais afinado para tirar proveito das leis da aerodinâmica e todas aquelas que se estudam nos cursos de pilotagem, para o avião a jato se tornar a maravilha que todos conhecem, aproximando e reduzindo as distâncias entre produtores e consumidores, povos e destinos exóticos etc.
Nas negociações para realizar a reportagem, óbvio que eu deixei clara minha intenção de acompanhar o trabalho também dos pilotos em voo. Nada demais, se fosse antes do fatídico 11 de setembro de 2011, que tornou passageiros e mesmo insuspeitos funcionários das próprias companhias, vistos como terroristas em potencial a bordo. Em suma, voar no jumpseat, especialmente se você não é um instrutor examinando pilotos em treinamento, passou a ser a cada dia mais impossível de se fazer, em qualquer companhia aérea, em qualquer avião, em qualquer rota. Mas era imprescindível para meu trabalho pelo menos tirar fotos da cabine, com os pilotos trabalhando e anotar os parâmetros de voo. Lugar para todos nós quatro havia, lá fora do cockpit,mas meus olhos cresciam para as duas poltronas desconfortáveis lá de dentro, logo atrás dos pilotos.
Apesar de sermos orientados pelo comandante para o uso de máscaras de oxigênio, em caso de emergência, que cairiam sobre as poltronas de passageiros, comentei com Joerg que eu esperava mesmo era ir para lá dentro, a qualquer momento, pelo menos para as fotos. Como diretor de comunicação e representante da diretoria de Frankfurt da LH, ele fez o papel dele de dizer que não importava o que o comandante decidisse, ele, Joerg, é que teria que autorizar – ou não. Se eu fosse piloto, acharia aquilo uma afronta em relação à maior autoridade a bordo do avião, o “cara” com quatro faixas douradas na berimbela, mas, sabe-se lá como funciona a rigidez alemã nesses casos. Especialmente por adorar o trijato MD-11, filho direto do DC-10, meu avião mais amado, eu começava a ficar preocupada em perder a oportunidade desejada... Como, pelo menos por enquanto, eu me “contentava” em tirar fotos da cabine, quando isso fosse possível, diante de uma flexibilização do Joerg, mesmo diante de sua cara bem séria, de que eu poderia fotografar o que quisesse desde que lhe mostrasse antes que fosse publicado, fiquei um pouco mais aliviada, pois não era problema nenhum para mim aceitar aquelas condições.
Embora tivessem sido apresentados para nós lá fora, no aeroporto, antes de partirmos o comandante Peer Büttel deixou a cabine de comando aos cuidados do primeiro oficial Stefan Volk e foi falar conosco lá fora. Fomos melhor apresentados a ele, em inglês, pelos nossos outros dois anfitriões, quanto à reportagem que eu estava fazendo, e aí o alemãozão grisalho e bem rosado veio-me com uma pergunta muito esperada: “Do you want to seat in the cockpit?” Não me fiz de rogada: “Yes!”. Pronto, a conquista estava feita! Felizmente, Joerg não o contestou, mesmo porque já havíamos combinado eu lhe mostrar tudo o que produzisse de texto e fotos, e o comandante, com a ajuda do Adriano, já ajeitava duas poltronas, pois o Joerg também iria para lá.


Toda feliz no "Jump"! (foto: Joerg Waber)

Logo fomos chamados lá para dentro pelo simpático Cmte. Büttel.
Acomodei-me, também sob permissão do Captain, na poltrona central, e o Joerg na da lateral esquerda, atrás do lugar do comandante. Colocamos os cintos de segurança – de quatro pontos, ao contrário dos de dois pontos dos passageiros em geral – e fones de ouvido, imprescindíveis para nos comunicarmos entre si lá na cabine durante o voo e também ouvir a fonia entre controle de tráfego e avião. Como meus “cliques” estavam liberados, não perdi tempo, mesmo porque as fotos me permitiriam ter dados técnicos para incluir nos textos. Ou seja: eu nem precisaria perguntar ao comandante quais seriam as velocidades V1, VR e V2 para a decolagem, estava tudo ali registrado, bem na minha frente. É aí que vale ser jornalista especializada, para decifrar ou saber quem poderia decifrar aquela linguagem mágica.
Ainda chovia em Viracopos. Nada que comprometesse nossa partida de Campinas, que ocorreria cerca de 8 h, horário local. Tão logo entramos no cockpit e nos acomodamos em nossos lugares, Adriano e Antônio fecharam a porta atrás de nós e acomodaram-se também em seus lugares, na antesala.

Joerg também estreou no cargueiro.

O Lufthansa Cargo 8250 teve o plano de voo aprovado e foi liberado pelo Tráfego de Viracopos para voar no nível 390, após decolar da pista 15, seguindo pela carta de saída Kolki e tomando a aerovia Upper Zulu 30.
O inglês do comandante era bem mais fácil de se entender do que o do primeiro-oficial, que era bem mais carregado de sotaque. Mas eles conversavam mesmo em alemão, entre si (infelizmente, para mim). Raras vezes falavam em inglês para que eu pudesse imediatamente entender. Com o Joerg, era igualmente em alemão, mas quando queriam passar alguma informação que poderia ser também do meu interesse, o diretor da Lufthansa fazia a tradução para o português. Enfim, todos nos entendíamos perfeitamente nesse ambiente trilíngue.
Joerg fazia fotos com o celular, mas prometi a ele lhe enviar outras, melhores, feitas com minha Nikon.
Pouco após às 8 h alinhamos com a pista 15 de VCP. A decolagem ficaria a cargo do Cmte. Büttel. O dia estava chuvoso, escuro mas eu, claro, não usei flash para não incomodar os pilotos, como, inclusive avisei-os. Experiência própria de outros jumps...

Pista molhada ou, como dizemos na aviação, contaminada.

Realmente, nem precisei perguntar para eles as velocidades de decolagem etc, pois estava tudo ali na minha frente, no painel. Nem anotei, na hora, só fotografei. A V1 seria de 131 nós; a VR e a V2, respectivamente, 139 e 155 nós. Flaps 10 graus.
Só depois de alguns segundos eu perceberia que o comandante resolvera fazer uma static takeoff , segurando o avião nos freios até atingir a potência de decolagem ideal e só depois soltando os freios (não antes, enquanto ainda avança as manetes). E eu só percebi isso quando estava olhando para o Joerg – que, praticamente não tirava os olhos de mim quando eu estava fotografando – à minha esquerda, quando nosso comandante soltou os freios... Ambos colamos no encosto de nossas poltronas, e a cara de susto deve ter sido engraçada reciprocamente. Pois o avião decolou feito um foguete, não um avião, acho que subiria fácil fácil até se usasse a pista de Congonhas, muito mais curta que a de Viracopos. Também, leve como estava... Pela minha gravação – deixei o minigravador ligado para gravar a fonia – deu exatamente o total de 27 s entre o pico da aceleração (plenamente audível, os freios devem ter sido soltos imediatamente após) e a “rotate” “cantada” pelo primeiro oficial. E mais oito segundos depois disso para o “gear up”, ou seja, o recolhimento do trem de pouso.
Gradativamente, fomos deixando Campinas para trás e também o mau tempo da frente fria. Mais adiante teríamos sol pleno e belíssimas nuvens nas nossas aerovias.
Pouco mais tarde o primeiro-oficial Volks comentaria que o Brasil tem uma das piores transmissões por rádio (fonia) do mundo inteiro. Perguntei se a qualidade seria “three-three”, ou seja, intensidade e clareza (dentro da linguagem da aviação, na escala que vai até 5-5), a que ele respondeu “sometimes, two-two!”.
A temperatura nas três zonas de cabine superiores eram de 26 graus Celsius na cabine de comando, 25o C na antesala e 16o C no maindeck. Já nos porões inferiores eram de 16o C, 26o C e 18 o C, do dianteiro para o traseiro (Vide abaixo, à esquerda). 


Com Mach. 0.826, estabilizados no nível de voo 400 e com -56o C (felizmente, só lá fora), eu e o Joerg deixaríamos o cockpit a convite dos comissários – ou melhor, Adriano e Antônio – para uns sucos na galley. Aviões cargueiros não têm comissários de fato, os tripulantes e passageiros se servem do que estiver a bordo, o clima, portanto, é bem descontraído. Quase uma hora de voo havia se passado e Adriano aproveitou para checar também as refeições embarcadas em Viracopos.

Comida!

Na véspera de nosso voo, o Emerson da Lufthansa havia nos enviado um cardápio para Joerg e eu escolhermos o que iríamos degustar a bordo. O voo não era longo, mas não me fiz de rogada e optei por sanduíche de frango, omelete espanhola e suco de pêssego. Copiado na minha mensagem, Joerg fez uma opção bem semelhante: panqueca com presunto e queijo, sanduíche “Club” e suco de pêssego. Mas havia muitas opções, incluindo estrogonofe (de carne ou de frango), espaguete, picanha, peixe, vegetariano... Mas, a meu ver, pelo horário da viagem, nada mais lógico do que alimentos de café da manhã, não de almoço. De qualquer maneira, fica claro que come-se mesmo melhor em cargueiros que na maioria dos voos domésticos nacionais.
No entanto, Adriano verificou que só haviam embarcado almoços de fato, arroz com salada, sobremesas e duas opções de carne, picanha ou filé mignon. Pedimos café e mandaram almoço. Bem, “faríamos o sacrifício” de chegar muito bem alimentados em MAO ainda antes do horário de almoço de fato. Com isso, decidimos já nos preparar para comer, para não precisarmos nos preocupar com isso depois, assim cada um escolheu sua opção de carne – Adriano e Antônio haviam solicitado a opção vegetariana só para variar, já que sempre estavam voando e comendo – para a parte quente ser aquecida toda junta, no forno elétrico.
Joerg e o primeiro-oficial já estavam sentados, conversando, nas poltronas de passageiros e o Adriano – nota 10 em atendimento a bordo – arrumou para que eu pudesse me sentar uma das poltronas destinadas aos pilotos nos voos mais longos. Conforto, espaço, atenção, serviço de bordo completo, absolutamente nada a reclamar. Aviões cargueiros não têm primeira classe, nem executiva, nem econômica, como as conhecemos normalmente, nem os vinhos degustados por outros jornalistas a bordo, mas a classe é muito especial! Acho que foi por isso que a Annette Taeuber, diretora geral da Lufthansa no Brasil, colega de Joerg, antes de minha viagem disse que era muito gostoso viajar de cargueiro e que ela, que já havia tido a feliz experiência, havia adorado!


Sobre o Distrito Federal.

Pouco antes de “almoçarmos” o comandante nos chamou para ver Brasília lá da cabine, e pudemos fotografar as cidades satélites lá do alto. Bem, em resumo, meu “almoço”, por volta de 9h30 horas (de Brasília) foi assim:  



Metar (Informação meteorológica padronizada) do momento: SBEG SA 13120010006KT 9999 FEW018 SCT100 28/22 Q1013. Trocando em miúdos, tempo bom e calor em Manaus. 

Aproximando-se do Amazonas.

Viagem mais tranquila, impossível, e aproveitei para perguntar ao comandante qual saída havíamos feito a partir de Campinas: eu havia impresso do AISweb (www.aisweb.aer.mil.br) algumas cartas SID (carta de saída padrão por instrumentos), e daí ficou mais fácil para ele me indicar qual: a Kolki. 
Planejamento de pouso em Manaus: ATIS Romeo (informações pertinentes à aproximação e pouso), pista em uso 10; nível de transição 050, vento 080/07 nós, visibilidade maior que 10 km, poucas nuvens a 1.800 pés temperatura 30 graus, ajuste de altímetro 1013; bando de pássaros nas vizinhanças do aeródromo; frequência da Torre 118.30.
Um CB no través.

Primeiro-oficial atento, mas tranquilo.

 O comandante, também!

A evolução da antiga papelada de bordo.



Eu estava ansiosa para ver os rios amazônicos lá do alto, já que na minha vinda anterior ao Amazonas, e até então única, meses antes, eles ainda estavam baixos e repletos de praias. Pois quando vimos lá de cima o encontro das águas entre Solimões e Rio Negro, pude constatar que a Amazônia, em abril, se assemelha mais ao pantanal matogrossense em plena cheia!

 Solimões e Negro se encontram no Amazonas.



Fora os assuntos relacionados ao voo em si, também expliquei ao Joerg, a seu pedido, sobre as nuvens de tempestade, os cúmulus-nimbus, visíveis no nosso horizonte, branquíssimas ao serem vistas de cima, e respondi a sua pergunta sobre a origem do motor de cauda dos MD-11 e DC-10. Era um prazer falar sobre dois de meus aviões prediletos!
Mas como tudo o que é bom dura pouco, e por mais que dure sempre será menos do que o desejado, logo já iniciávamos nossa aproximação para o Aeroporto Eduardo Gomes. Era a hora de levar o passarinho de volta ao chão. O pouso ficaria a cargo do primeiro-oficial Volks, o alemãozão de dois (ou quase) metros de altura.

Curtíssima final para o Eduardo Gomes!

Na curta final eu tinha câmera fotográfica em uma mão e celular filmando, com a outra. Em caso de um “catrapo”, imagens bem tremidas seriam esperadas. Mas o pouso foi muito suave, o toque das doze rodas do trem de pouso quase imperceptíveis, e só pude elogiar a manobra: durante nosso táxi para o pátio de SBEG, não tive outro comentário a fazer a não ser “You did not put an airplane on ground, you put a feather!” Ambos pilotos sorriram, em resposta.

O trijato de volta ao chão.

Parado no “T” na posição nose in, logo avistei o Reginaldo Nascimento, o representante da Lufthansa Cargo em Manaus.
Joerg, que sequer tinha bagagem de mão, apenas os documentos pessoais, logo se despediu, pois embarcaria em voo de empresa nacional para voltar a São Paulo. Ao contrário de mim, que passaria o final de semana naquela cidade amazônica, ele retornaria para sua família, após ter sido meu acompanhante oficial da empresa e ter matado a vontade de voar de cargueiro da Lufthansa Cargo.
As 17.219 toneladas desceram em MAO, em trânsito para Quito permaneceram 10.619 ton e embarcaram em Manaus rumo ao hub FRA 4.887 ton em peças para reposição, eletrônicos etc, totalizando, 15.406 toneladas de carga (10.619 + 4.887) mais 25 mil kg de querosene do abastecimento naquela escala, levando o peso de decolagem do “Mike” para 155.226 kg.

O Reginaldo, à direita.

Desembarque de carga.

Minha atividade agora era esta: fotografar o desembarque e o embarque de cargas naquela estação e, depois da partida da aeronave, que eu fotografaria no push-back, ir até o escritório da Lufthansa no prédio do TECA (Terminal de Cargas) para pegar dados finais, e depois eu iria ao prédio do aeroporto em si para tirar um cochilo antes de uma nova reportagem a ser feita à noite, não mais relacionada à Lufthansa.
A chegada de outro MD-11, este da estadunidense Centurion Cargo, também foi uma grata surpresa para mim: mais fotos, de mais um avião do modelo! 

O comandante inspeciona a aeronave para a partida.

Push-back.


Para minha felicidade, mais um MD-11!

Fotos feitas, sob um dia lindo em Manaus. No início da tarde eu já estava no escritório citado, acompanhada pelo Reginaldo e pelo Adriano, quando este recebeu um chamado pelo rádio portátil e, atento, Reginaldo perguntou em seguida:
– Tá voltando?
– Tá.
O avião estava retornando para Manaus! Problemas técnicos.
Pronto! Sinal que o voo 8250 não havia terminado para a equipe da Lufthansa: Adriano foi chamado para voltar à rampa. A Swissport também. Felizmente, não havia carga perecível a ser desembarcada.
Logo o Reginaldo já estava ao telefone contatando hotéis para o caso da tripulação ter que pernoitar em Manaus. Segundo ele, em dois anos que prestava serviços naquela estação, era o primeiro caso de retorno do avião, e outro fato excepcional havia sido apenas quando o Eduardo Gomes estava fechado e o avião teve que alternar para Belém.
Adriano foi o primeiro a retornar para o pátio, pois o avião já havia pousado de volta, e tão logo Reginaldo deixou previamente reservado os quartos no hotel, eu seguiria também com ele para perto da aeronave, para mais fotos e me inteirar do que havia acontecido. Até o sono que eu iria reparar num confortável cochilo em uma sala tranquila do Eduardo Gomes decolou, pois a curiosidade de repórter falava mais alto, aliás, gritava! Jornalisticamente falando, era interessante observar que a missão não acabava na decolagem do avião e na atualização dos dados do voo na planilha do computador – para a equipe da Lufthansa Cargo, não havia hora para ir embora, especialmente diante de um fato excepcional como aquele.
Levei minha câmera mas não a mochila, e mesmo assim alguns seguranças da Infraero fizeram mil perguntas. Mas o Reginaldo já estava acostumado com isso e tinha em mãos as autorizações por escrito, com números dos chassis de meu equipamento, e lá fui eu de novo passar por dois pórticos detectores de metal (dois na saída, como haviam sido dois na entrada, após a partida do avião), tirando o colete de fotografia, boné, câmera, gravadorzinho etc para rolar no equipamento de Raio X. Graças a Deus, nada ficou para trás, nesse tira e põe!

Mike, de volta!

Logo eu já avistava de novo o “Mike”. ‘Tadinho, estava doentinho... mas eu estava contente de ficar de novo perto dele! É sempre um imenso prazer a maior proximidade possível com um avião!
Eu repetia, brincando, para o Reginaldo: “(No voo de vinda) Eu não toquei em nada! Tenho certeza!” Ou seja: a culpa pela pane, não era da repórter! “O Joerg ficou de olho em mim o tempo todo!”.
Afinal, o que havia acontecido?
Parece que ao recolher completamente os flapes – que são recolhidos gradualmente após a decolagem – o Captain havia sentido uma vibração diferente e um alarme havia se acendido no painel, como se houvesse um desalinhamento das superfícies hipersustentadoras da asa direita. Ele não perdeu tempo: ordenou a volta para Manaus. Coisa que não é qualquer empresa que faz: muitas subestimaram problemas que depois derrubam a ave quilômetros adiante.
De fato, quando chegamos, o Antônio estava já avaliando toda a aeronave e providenciando escadas de diferentes tamanhos para acessar os flapes, que, da cabine, o comandante testava: estendia e recolhia. Essa era a razão de transportar-se um mecânico até MAO, para eventualidades como essa, por não ter mecânico da Lufthansa baseado na estação. Mesmo assim, um mecânico da TAM, o Jordão, lá baseado, também ajudou Antônio – operacionalmente, não existe concorrência e rivalidade entre companhias aéreas, isso é assunto só para os departamentos de marketing e vendas, e como a TAM já havia operado aviões MD-11, nada mais correto de que ter uma segunda cabeça pensante num caso como aquele – de fato, todas sempre se ajudam e isso é bonito na aviação. Em uma pausa do Jordão, aproveitei para falar com ele, que me informou que “Todos os testes foram realizados, recomendados por FRA, utilizando o material de bordo e fazendo todo o procedimento que manda o manual. Tudo está sendo feito, e não encontramos nenhuma anormalidade em solo, aí agora vamos ver se com o avião voando tem outra situação. No solo tá tudo perfeito. Ele a 26 mil pés, foi flape ou então um dos ailerons, ou spoilers, o que mantém o avião sempre nivelado...” 





Como eu, sob a barriga do avião para escaparmos do calor escaldante de mais de 30o C, Reginaldo estava atento mas sabia que nada poderia fazer enquanto o destino do avião não fosse decidido. Os mecânicos e pilotos seguiam manuais e instruções recebidas por rádio de Frankfurt para fazer todos os testes possíveis em terra para averiguar o problema. A partir da decisão dos mecânicos sobre se a aeronave poderia depois seguir viagem, caso negativo, teriam que ser tomadas as atitudes para a segurança da carga e do MD-11 e conforto e descanso dos pilotos, de Adriano e de Antônio. Reginaldo e eu estávamos com fome, e como ainda nada havia sido decidido pela equipe que cutucava o avião todo, fomos comer tapioca na Tapiocas.com no saguão do Eduardinho, o terminal anexo do Aeroporto Eduardo Gomes. Ou seja, para sairmos do pátio, mais dois pórticos detectores de metais. No nosso retorno, os dois pórticos novamente... Ossos do ofício.
Em determinado momento, Antônio, do solo, pegou na ponta de um dos flapes que estava arriado e chacoalhou-o com tanta violência que me assustei, pensando que ele fosse arrancá-lo da asa direita! Só um mecânico mesmo para ter tanta segurança no que faz... Mas, na maior parte do tempo, ele tratou com muito carinho nosso aviãozinho: foram usadas escadas de alturas diversas, para ele acessar o melhor possível a parte interna dos flapes. Com sua lanterna, parecia um médico atento às entranhas do paciente. Cena bonita de se acompanhar!
Por minha vez, aproveitei para fotografar detalhes da grande ave, aqueles que só chegando beeeeeeeeeeeeem perto mesmo dava para se fotografar. E reparei que o chão estava livre de qualquer vazamento, seja de óleo, fluidos, combustíveis ou mesmo água.
Já estavam lá há quase duas horas mexendo no avião, nada estava sendo detectado de anormal, e o risco agora era de regulamentação da tripulação, ou seja, ela exceder o tempo máximo em que pode ficar de serviço em determinada jornada.
Bem, dormir eu não iria mais mesmo e já tinha outra missão, para a qual eu teria que estar na sala de embarque lá do “Eduardinho” antes das 18 h. Despedi-me do Reginaldo e fui de mala e cuia para o terminal. Eu já sabia que o MD-11F teria que pernoitar na capital amazonense. Felizmente não havia cargas perecíveis a bordo e Reginaldo chamou uma empresa de segurança para montar guarda perto dele e cuidou de hospedar os colegas.
Na manhã seguinte liguei para o Reginaldo, que confirmou que nada havia sido encontrado de anormal no avião, e ele partiu pela manhã do domingo para Quito, sem outros incidentes!
Vivi uma bela aventura sem dúvida, e agradeço ao apoio da Lufthansa e da Infraero!

Mike e eu!!!