terça-feira, 4 de abril de 2017

EDITORIAL


IBAS – INTERNATIONAL BRAZIL AIR SHOW
A PRIMEIRA IMAGEM É A QUE FICA?

(por Solange Galante, texto e fotos)



Eu não tive o prazer de visitar o Salão Internacional Aeroespacial ocorrido no Brasil em 1973. O evento foi tão grande que os estandes ficavam na capital paulista, no Anhembi, do lado do Aeroporto Campo de Marte, e as aeronaves, em sua maioria, em São José dos Campos. “Ué”, alguém poderia perguntar, “mas porque não se concentrou a exposição de aeronaves no Campo de Marte?”. Porque grandes aeronaves, que eram destaque na aviação da época, estavam todas lá no salão e o Campo de Marte não as comportaria: protótipo do Airbus A300, o Lockheed Galaxy, o bombardeiro inglês Avro Vulcan, entre outros. Até o caça inglês Harrier, que decola e pousa verticalmente, esteve presente e em demonstração, além dos principais produtos da então bem jovem Embraer.

Bem, quem conheceu mesmo que pelas páginas de “flash back” das revistas e jornais o que foi esse salão – que, se tivesse se repetido, poderia ser um rival de peso para os salões da Inglaterra (Farnborough) e de Paris (Le Bourget) – até hoje suspira por sua realização novamente. Desde então, tivemos no Brasil várias feiras aeronáuticas e “tentativas” de feiras – as que mal duraram uma única edição – com o apelo do show aéreo, da exposição de aeronaves variadas, seminários e  outras atrações. Talvez possamos dizer que a tentativa mais próxima do que se desejava – ainda assim, a anos-luz do objetivo que todos tinham em mente – foram algumas das edições da Aero Sport (depois, Expo Aero Brasil) em Sorocaba e Araras (interior de São Paulo) com aviões militares, experimentais, executivos e comerciais em exposição estática ou demonstrações aéreas, inclusive passagens baixas de aviões em rota (sim, com passageiros dentro) e dezenas de estandes. Ou seja: já tivemos feiras abrangendo vários segmentos de aviação no mesmo local.

Hoje, a melhor feira de aviação do Brasil representa apenas um segmento, o da aviação executiva. Com todas as dificuldades inerentes ao Brasil de hoje – aparentemente, inexistentes no Brasil sob administração militar dos anos 1970 – a Labace é a mais bem sucedida feira, mais elogiada, mais conhecida e, principalmente, a que mais influencia a aviação executiva, que representa.

Talvez por saudosismo, ou por desespero de ter de volta aquele hoje longínquo 1973, o IBAS – International Brazil Air Show – foi criado já trazendo um apelo inigualável: o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro – Galeão/Antônio Carlos Jobim. Superdimensionado para uma aviação comercial brasileira reduzida em tráfego nesta segunda década do século XXI, o bom e velho Galeão mostrou-se o cenário ideal, onde não faltava espaço – o principal limitador do crescimento da Labace, por exemplo – e sobrava beleza no cenário de fundo, a Cidade Maravilhosa e os arredores da Ilha do Governador.


Em abril do ano passado, há exatamente um ano, o Grupo Sator anunciou a realização do IBAS entre os dias 29 de março e 2 de abril de 2017. Na ocasião, Paula Faria, diretora executiva da Sator, em entrevista para o conhecido site Airway, confessou que a idéia de fazer esse evento era antiga e que o pontapé inicial foi incentivado pela Federal Aviation Administration, dos Estados Unidos. É óbvio que a poderosa FAA, representada na ocasião pelo seu diretor geral, Michael Huerta, que então visitava o Brasil, não entendia porque o Brasil, com a segunda maior aviação do planeta, não tinha uma feira dessas – sendo que até o Chile tem a sua FIDAE.

Paula Faria não se fez de rogada e arregaçou as mangas. E declarou, para a mesma Airway: “Nesta primeira edição esperamos atrair mais de 120 mil pessoas, sendo 30 mil, público de negócios. Também planejamos reunir 300 marcas e mais de 50 aeronaves em exposição”.

Guarde esses números.

A inspiração de Paula Faria sequer era o distante 1973 em São José dos Campos. Eram os atuais eventos em Le Bourget e Farnboorough, que se alternam a cada dois anos. Como, na ocasião, o TPS 1 do Galeão ainda era bem utilizado pela concessionária RioGaleão, o IBAS iria ocupar o Terminal de Cargas do mesmo aeroporto. Um acordo com a Fidae, supostamente para não rivalizar com ela, faria o IBAS acontecer também a cada dois anos, alternando com a feira do Chile.
Foi um frisson na comunidade aeronáutica, especialmente a brasileira, e os órgãos de imprensa do setor exalavam ansiedade por todos os poros. Claro, até eu me animei: sem ir ao Rio de Janeiro há quase cinco anos, tive essa motivação para regressar à cidade, “curtir” a aviação de lá e rever amigos.
Se em algum momento, ao ver os cartazes e anúncios do IBAS, sonhei demais, depois eu descobriria que isso não se restringia a mim: mais gente se programou para testemunhar, no Brasil, o nascimento de, no mínimo, uma feira tão grandiosa como a Fidae em seus tempos mais pujantes – que não são os atuais, diga-se de passagem. “Vamos tirar dos chilenos esse privilégio que eles tiraram da gente”, alguém comentou comigo na ocasião. 

A feira do “não pode”

Em janeiro deste ano comecei a me programar: as milhagens da Latam, um hotel bem localizado, reserva das datas na minha agenda. Um dos seminários que mais me atraía, sobre as mulheres na aviação, organizada pela norte-americana Women in Aviation International, de repente, no site, aparecia em duas páginas com datas diferentes: 29 de março e 31 de março. Quando seria, afinal, e em que horário? Pois, se, em dado momento a assessoria de imprensa me afirmou que todos os seminários, de todos os dias voltados ao “trade” (quarta-feira a sexta-feira), começariam às 9h e a cerimônia de abertura seria por volta de 11 h no dia 29, quem estivesse no seminário às 9h do mesmo dia ou perderia o início das palestras ou a abertura do evento. Comentei isso com a assessoria e, dias, depois, surgiu a retificação no site e o seminário das mulheres seria mesmo dia 29, mas a partir das 14h. Ufa, pois eu já tinha reservado passagem aérea mas não chegaria ao evento antes das 10 h.

Credenciei-me e, à medida que a data se aproximava, resolvi olhar no site quais as aeronaves previstas e só vi poucas delas, todas de pequeno porte, exceto o 747-8 da Lufthansa, do voo Rio-Frankfurt que, como “tomava sol” no Galeão todo dia, bastava ser estacionado mais perto da área de exposição que já estaria “participando”.– Depois, surgiu a informação de que algum outro avião comercial, de alguma empresa brasileira, também ficaria lá pertinho, talvez até para visita interna.

Chegou o dia da abertura do evento. O apelo mais fantástico, na minha opinião, foi a utilização de equipamentos do Galeão. Fazer seu credenciamento junto a um dos check-ins do TPS 1, assistir à cerimônia de abertura sentado em uma das cadeiras metálicas que serviam outrora de descanso para os passageiros, e ter os estandes montados já na área de embarque, e tendo visão ampla, atrás dos vidros externos, das aeronaves da feira expostas lá embaixo, lembrando que não estávamos em um aeroporto qualquer, mas no lendário Internacional do Rio de Janeiro, foi uma grande emoção.

O acesso ao pátio, para, afinal, ver os aviões de perto, requeria passar pelos Raios X mas o atendimento aos interessados foi rápido e simpático, e também fazia parte do ritual de quem voa em um avião comercial.



Mas, uma vez já pisando no pátio, o clima de encantamento foi quebrado pela extrema preocupação dos seguranças para com o público adulto ou, no final de semana, também com as crianças. Eu nunca soube de feira aeronáutica, das que nunca visitei mas acompanho por meio de amigos e imprensa, ou das que já visitei, em que não se podia chegar junto às barreiras metálicas que isolavam os aviões. É óbvio que há a preocupação para que ninguém suba nas cercas e muito menos saltem-nas, mas os seguranças limitavam o público para que não se aproximasse cerca de 2 m antes delas, muitas vezes usando como fronteira entre o “pode” e o “não pode” a vala de captação de águas do pátio. Pensei “Se não se pode chegar 2 m antes das grades, por que não aproximarem-nas dois metros do público, então?” A maioria dos visitantes, especialmente o selecionadíssimo público dos três primeiros dias, não tinha a mínima intenção de subir ou saltar aquela fronteira gradeada, mas apenas ter um ângulo melhor para fotos. E se você tentava argumentar com os homens de preto que cozinhavam sob o sol carioca, eles faziam uma cara bem feia ou te chamavam de “ô, amigão/amigona...”. A coisa se repetiu no sábado, quando para lá voltei, e fiquei com pena das crianças – sem terraços nos aeroportos, sem os shows aéreos do passado, sem museus de aviação, sem muitas mais atrações de ontem, e sem poder chegar perto daquelas aeronaves, elas poderiam desistir de gostar de aviação. Que mal há nisso? Futuros passageiros medrosos, talentos perdidos da indústria aeroespacial, e por aí vai. Um contraste com o programa Girls in Aviation divulgado pela Women in Aviation International, que realmente aproxima crianças da aviação, com toda segurança mas total interatividade. O interessante é que em volta do helicóptero Super Puma do 3º Esquadrão do 8º Grupo de Aviação (/8º GAVda FAB, onde os próprios militares cuidavam de sua segurança, podia-se chegar até as cercas para buscar melhores posições para fotos, e mesmo a Esquadrilha da Fumaça – que se apresentou no final de semana em Copacabana mas tinha o Galeão como base durante o evento – interagiu completamente com o público, inclusive algumas crianças foram vistas até mesmo posando para fotos sentadas nas asas de um dos Super Tucanos do Esquadrão. Pontos para a FAB, sempre promovendo a interatividade da  aviação militar com os civis!



Francisco Lyra, do Conselho de Administração da IBAS, que contatei após o término do evento, reconheceu que faltou um briefing com os seguranças, todos das empresas que atuam no aeroporto, de que aquele público poderia ter um pouco mais de liberdade justamente para promover essa interatividade que faltou em alguns momentos. Uma solução, penso eu, seria colocar alguns seguranças atrás das cercas, justamente para ficar atentos à possibilidade de que alguém as saltasse – esse tipo de leiaute de segurança é comum em eventos militares, por exemplo.

Houve também alguma desorganização por parte dos voluntários para as filas formadas, no sábado, para visitas às aeronaves permitidas para o acesso interno, no caso, um Embraer 195 da Azul com pintura especial e um Boeing 737-800 da Gol, que estacionaram dentro da área cercada. Essas aeronaves substituíram outras como o Legacy 500 da Embraer e o Cirrus Grand que ficaram de quarta a sexta-feira no IBAS. O interessante seria que pelo menos alguns desses aviões de empresas que tinham interesse muito mais comercial que institucional permanecessem, se não em todo o final de semana, no sábado também, ampliando a quantidade e qualidade da exposição estática. Medo do assédio popular? Algo que, com certeza, se resolve com organização, cercas metálicas e seguranças melhor treinados diante da visita pública. Enfim, o “não pode” foi muito repetido nessa área, o que foi uma pena.

Ressuscitando por cinco dias o TPS 1

Um ponto fraco da realização no TPS 1 foi a Praça de Alimentação, que dispunha de opções caras e que não agradaram a maioria dos visitantes com quem conversamos. A gradativa desativação do Terminal 1 deixou o público totalmente sem alternativas quanto a restaurantes. Um terminal que já recebeu o Concorde, os aviões da Braniff, as saudosas Varig, Transbrasil, Vasp e Cruzeiro, agora... às moscas. Fontes diversas nos informaram que os fingers, elevadores e outros equipamentos do Galeão foram modernizados ou substituídos tão logo a RioGaleão assumiu a administração do aeroporto em agosto de 2014, mas estão ociosos porque o tráfego aéreo diminuiu, e, hoje, lá naquele terminal só se embarca em voos domésticos da Avianca, tendo todos os outros voos sido transferidos para o gigantesco TPS 2. Pergunta-se: o que será dessa metade mais antiga do aeroporto carioca enquanto a economia não reaquecer o suficiente para ele ser ressuscitado por mais tempo?

Asas de penas

Decepcionados com a pouca quantidade de aeronaves expostas, muitos visitantes, no entanto, elogiaram a participação da CEPAR Ambiental, que é a responsável pelo controle de aves no Galeão utilizando aves de rapina: corujas, falcões e gaviões treinados nas artes da falcoaria. Os visitantes puderam posar para fotos com as aves, admirá-las e fotografá-las – sem grades e com toda segurança. O trabalho é realizado desde os tempos de administração Infraero e dá enorme resultado, não só prevenindo os bird strikes mas também capturando as aves que vivem na região do aeroporto e levando-as para lugares mais seguros, inclusive para elas próprias. Sem dúvida, a CEPAR foi uma das grandes atrações para visitantes tanto do trade quanto público em geral.



Seminários

Embora nem todo mundo se interesse, os seminários voltados para a indústria aeronáutica fazem sempre muito sucesso em feiras dos diversos segmentos. Embora eu tenha acompanhado apenas o da Women in Aviation International, um dos mais concorridos foi o Wings of Change, já muito tradicional e organizado pela IATA toda edição da Fidae. Tecnologia e Inovação para Aeroportos e o Aerospace Day, realizado em conjunto com o Parque Tecnológico de São José dos Campos, foram alguns dos destaques. Também ocorreu no primeiro dia da IBAS a 1ª Edição do Prêmio CAB – Brasil dos Esportes Aéreos, promovida pela Comissão de Aerodesporto Brasileira, contando com a presença do presidente da FAI – Federação Aeronáutica Internacional. 

Shows aéreos

A Esquadrilha da Fumaça, que se apresentou sobre a Praia de Copacabana, reinou praticamente sozinha nos céus cariocas já que a Esquadrilha Céu não rivaliza com ela – está certo, no Brasil, ninguém rivaliza com ela. Por isso, planeja-se convidar outras grandes esquadrilhas mundiais como os Blue Angels para as próximas edições do IBAS. Francisco Lyra lembrou que o Departamento de Estado dos Estados Unidos  não apóia nenhum evento em seu primeiro ano. E isso parece ser a maldição dos eventos recém-nascidos: muitas empresas querem participar apenas depois de assistir ao primeiro e analisar seus resultados, ou seja, a partir do segundo, que nem sempre acontece. Junte-se a isso a crise brasileira, o clima de recessão e o consequente desistência de muitos expositores, segundo Francisco Lyra.



Não dá para negar...

Que o IBAS ficou aquém do que promovia. Por uma série de razões, as descritas acima e outras, certamente. Mas, até aí, falar em “fracasso”, “desastre” etc, acho que não chega a tanto. Precisa melhorar, sim, e muito, mas quem esteve lá, participando dos seminários, expondo marcas, fazendo contatos comerciais sabia que a feira estava, digamos, em caráter “experimental”, afinal, foi sua primeira edição. Digamos que tenham “empatado” custo e benefício, desejando, numa nova ocasião, aí sim sair do zero a zero. Temos que acreditar e torcer para que ocorra uma segunda edição e que ela seja “muito” (não “um pouco”) melhor que a edição 2017. Ficamos, sim, com gostinho de “quero mais” e “ainda não foi desta vez que tivemos uma mostra do que aconteceu em 1973”. Os tempos são outros, mas ainda podemos ter muito mais emoção, movimento, participação do que aquilo que vimos entre os dias 29 de março e dois de abril passados. De qualquer maneira, torço especialmente que nova tentativa seja no Galeão!




OBS: ao concluir este artigo ainda não tínhamos em mãos os números finais do IBAS. Tão logo os tenhamos, atualizaremos o artigo!

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